sábado, 26 de fevereiro de 2011

Um livro para quem gosta de ler e de escrever



Li "O ANIBALEITOR" de Rui Zink, e em algumas das suas páginas decifrei-o como se tratásse de um relato para jovens e gostei; é um livro para quem gosta de ler e de escrever. Entre outros excertos, a fruição desta nota do autor:


"Levualá: volta e meia perguntam a este pobre de mim por "projectos para o futuro", um "novo livro", etc. E lá tenho de desbobinar: Não tenho projectos para o futuro, só para o passado. O futuro esse não vou dizer que a Deus pertence mas está sempre algures entre o brumoso e o enevoado. Se houver saúde e alegria já não me dou por mal servido. Quanto ao passado já é outra história - inclusive porque, à medida que nos vamos afastando dele, a memória criativa o vai mesmo transformando, como quem não quer a coisa mas claro que quer a coisa, noutra história.
Sei que quero um dia escrever sobre a minha infância e os que a povoavam, desde os muitos queridos - o meu avô, o meu tio, os amigos da rua, a filha do sapateiro - aos menos queridos, como o rapaz da Mouraria que me partiu a cabeça com uma pedra da calçada ou o professor Guerra na escola do Torel que, não sendo meu( cruzes credo, o meu era o excelente professor Neves), aterrorizava os meus colegas e me deu as primeiras ganas de montar no meu corcel e fazer justiça. Fora isso não tenho ( nunca tenho, é a minha impressão ) projectos. Com já alguém disse, vou andando por aí, e a mais não me sinto obrigado"

O Aníbaleitor, teorema, (Rui Zink)

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Santa Apolónia


Tinha cerca de três anos quando fui a Santa Apolónia pela primeira vez com a minha mãe despedir-me do meu pai, que ia, diz-me o "velhote", de fim de semana a Madrid. Recordo-me da emoção da despedida da minha mãe, não me estava a aperceber bem do que se estava a passar, concentrei-me antes no fundo do cais. O comboio partiu primeiro devagar e toda a cena me parecia passada num teatro (por causa da fachada estilo casa/teatro da gare ?), ao fundo uma tela pintada, orgânica com o comboio a integrar-se nela, a tela a ganhar profundidade, de repente pareceu-me uma selva...o meu pai ia para a selva?
Três da madrugada, insónia. Leio entrevista Publica,31.01.11, Anabela Mota Ribeiro ao psicanalista João Seabra Diniz :
AMR: Dante começa a fazer a sua viagem pouco depois dos 30 anos, entra na selva oscura"
JSD: "Nel mezzo del cammin di nostra vita/ mi ritrovai per una selva oscura "
AMR: Porque sabe de cor a Divina Comédia?"
JSD: Porque gosto!Falo bem italiano. Na Comédia, aparece o famoso episódio de Paolo e Francesca, que se tinham apaixonado. Essa paixão era culpada e por isso estão no Inferno. Quando Dante lá chega com Virgílio, Francesca explica-lhe. "Amor, que não perdoa deixar de amar a quem ama, a este me prendeu com amor tão forte, que ainda, como vês, não me abandona." É o esplendor do amor.
Como é que as crianças tem a intuição que têm? Como é que encontramos o sentido para o que nos acontece ? Como é que precisamos tantas vezes de tanto tempo para dar sentido?