sábado, 25 de dezembro de 2010

memórias da escola primária nos anos 60

O externato era num rés do chão de quatro assoalhadas adaptado a escola, num prédio situado num largo com jardim em Lisboa. O "Se´sôr", abreviatura de senhor professor, vivia no 1º andar desse mesmo prédio, andava com uma cana comprida na mão, fumava "Definitivos", segurando o cigarro com os dedos amarelos, por vezes a cinza caia no chão.
Era tudo muito auditivo, a palavra do professor, as tabuadas cantadas, a leitura dos textos em voz alta, restava pouco para o visual ! Muita repetição nos cadernos, a escrita em duas linhas, a aritmética no papel quadriculado , não me lembro de caderno de desenho a partir da 2ª classe, relegado para o espaço em branco do cabeçalho por cima das cópias, vá lá, 3 centímetros, a ilustrar. Gostava do exercício da cópia de palavras difíceis numa tira de papel pautado, dividida ao meio, à esquerda o modelo bem escrito, à direita o espaço para copiar correctamente, era o " linguado ", gostava destas palavras que imaginava preencherem a "espinha do peixe".
Da casa do professor no 1º andar, vinha às quintas feiras de manhã a telefonia para o programa musical da emissora nacional, pegado em peso, cuidado com o estrado, no lugar do "Se`sôr" a telefonia, em cima da secretária, tínhamos de esperar que as válvulas aquecessem para o hino nacional, para a marcha da mocidade portuguesa, lá íamos "marchando e rindo…cantando, levados " sim levados, o pretinho Barnabé…a loja do mestre André...o burrinho que ia para ..., carregadinho de …! Nós gostávamos desta meia hora de audio, era uma quebra da rotina das cópias , dos ditados, os" tanques " enchiam-se à tarde de problemas de aritmética.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

" De volta à escola primária "


Andava eu a tentar escrever um post sobre a minha escola primária, vivida há mais de 40 anos atrás, num externato masculino instalado num rés do chão de quatro assoalhadas adaptado a escola, num prédio situado num largo com jardim, em Lisboa. Uma das recordações que guardo desses tempos e desse espaço escolar, é a de uns cartões estampados com cenas da História de Portugal , que encontrava na cozinha desactivada a servir de arrecadação, sempre que o professor me mandava lá ir buscar ou levar alguma coisa, e que me fascinavam a mim e aos meus colegas; investidas de exércitos, batalhas a cavalo, o vermelho vivo dos guerreiros feridos, assaltos a castelos, reis à frente das suas tropas, belas e exemplares rainhas, grandiosos feitos arrumados num caixote, mas que passávamos rápido no risco de nos estarmos a distrair, de qualquer outra coisa mais essencial.
Se me lembro bem, estes cartões nunca saíram para a sala de aula. Era tudo muito auditivo, a palavra do professor, as tabuadas cantadas, a leitura dos textos em voz alta, restava pouco para o visual ! Muita repetição nos cadernos, a escrita em duas linhas, a aritmética no papel quadriculado , não me lembro de ter caderno de desenho a partir da 2ª classe, actividade relegada para o espaço em branco do cabeçalho por cima das cópias, vá lá, 3 centímetros, a ilustrar.
Eu estou para jurar que encontrei essas cenas da História de Portugal em 2010. em forma de livro - album editado pela Gradiva; afinal eram aguarelas de Alberto de Sousa e quadros de Roque Gameiro, publicado pela primeira vez na 1ª República e já não reeditado desde 1932. Os quadros foram desaparecendo das escolas, o livro desaparecendo das livrarias , talvez pelas malhas que as ditaduras tecem, estou certo que o poderíamos comprovar, históricamente falando.

Imagem: Cerco de Lisboa , por Roque Gameiro

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

"O Estádio "


O antigo estádio da Luz era um local importante na geografia da minha infância, pois morava muito perto dele, na estrada de benfica. Com os tempos, aprendi a "ler" os sons que vinham do estádio, como se decifrasse sinais de fumo na pradaria; a imagem não é completamente literária porque entre a minha casa e o estádio existiam quintas dedicadas à agricultura e lacticínios, campos de trigo e vacarias, ligadas por azinhagas empedradas, e que prolongavam a antiga rua dos Soeiros da estrada de Benfica à estrada da Luz . Mesmo que não tivesse ido à bola, perscrutava os sons desde o Largo Conde de Bonfim e interpretava-os, sabia se tinha sido golo do Benfica e qual o nível do entusiasmo das vitórias, a irritação protestativa do público quando as coisas não corriam bem ou o silêncio barulhento dos maus resultados, os golos dos adversários nos jogos importantes. Comecei a aprender muito cedo, a primeira vez que fui ao estádio da luz em dia de jogo , tive medo, era muito pequeno, assustei-me com os gritos do público, os pés das pessoas contra o cimento das bancadas do terceiro anel, as manifestações efusivas aquando da marcação dos golos, talvez os protestos contra as decisões do árbitro e o bruáá desesperado quando a bola não entrava.
Quando vou à bola no novo Estádio da Luz , já não vou pelas azinhagas de que restam apenas vestígios e já não passo pelas poucas quintas que sobrevivem mas se olhar com atenção para a direita na entrada dos Altos dos Moinhos do novo estádio sei exactamente onde se erguia o antigo Estádio da Luz.
Se olhar com atenção o meu avô ainda lá está a meu lado nos lugares cativos por baixo do 3º anel, nos dias e noites de jogos grandes, os vizinhos da bola a apertarem-se na bancada para o puto se puder sentar, o avô a dar joelhadas reflexas no neto, queria muito chegar àquela bola, movimentos inscritos no corpo de futebolista da década de trinta, enquanto mastigo rebuçados, é prá tosse otimel, é prá tosse , e o vizinho da fila de baixo à esquerda, o da voz rouca, a desenrolar o farnel ,
tínhamos que ir mais cedo nos jogos grandes, mesmo os sócios com lugar cativo como eu e o meu pai, o estádio com sessenta mil pessoas esgotava,
farnel a sério com garrafão de 5 litros, o vizinho da voz rouca a oferecer do farnel, e a sorrir enquanto o jogo não começava, e eu pensar agora que nunca lhe ofereci um rebuçado para a tosse,
nos jogos europeus a emoção era muita,
era o somatório dos resultados de dois jogos, tínhamos estado em vantagem e agora já não, mas veio o terceiro golo e foi a alegria total, tudo a abraçar-se, mas o vizinho da fila de baixo à esquerda deitado com uma comoção,
façam-lhe respiração boca a boca,
felizmente foi passageiro,
deixe lá o farnel e o garrafão de 5 litros,
o jogo a continuar e logo a seguir o Benfica faz 4-1 e depois a marcar o quinto, o delírio total,
o vizinho ainda não estava bem recuperado, voltou a vacilar, mas nenhuma sombra passou pelo estádio…
Se fechar os olhos e me concentrar, acho que ainda posso ver o que via quando,
depois de uma soalheira tarde de bola na Luz , descendo a rua dos Soeiros com meu pai até à estrada de benfica,
fechava os olhos , ainda com as retinas impregnadas do verde do campo , das camisolas berrantes e de luz intensa e clara.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

" O Parque "


Em 1975, vivíamos um processo intenso de participação dos cidadãos em todas as esferas da vida. Os moradores mais antigos do Largo Conde de Bonfim,em São Domingos de Benfica em Lisboa, consideraram que o velho jardim central ao largo já não cumpria a sua função de espaço de lazer e certamente em comissão popular, aproveitando a dinâmica de um vizinho empresário da construção civil, resolvem dotá-lo ou transforma-lo num parque infantil com uma multiplicidade de novos atractivos, a saber, um campo de jogos com balizas e tabelas de basquetebol, uma pista para atletismo ou bicicletas, um corredor para exercício físico de inspiração militar (subida de cordas, barreiras, equilíbrios…), zona de baloiços, uma biblioteca, pontuado aqui e ali por novos espaços verdes, bancos e mesas, e até um WC. O processo de planeamento do novo parque foi concorrido, muito vivido pelos moradores, em reuniões nocturnas na loja e arrecadação de materiais do vizinho empresário, e onde a malta adolescente também se fez ouvir, representada por um de nós, mais velho, que tinha ido à guerra colonial e voltara. A malta queria colaborar, o largo também nos pertencia, era nos bancos de jardim que nos encontrávamos na nossa adolescência nocturna, estávamos como peixes na água, mas não tínhamos desafogo económico, de modo geral não recebíamos mesadas dos pais, quando um de nós recebia uma nota partilhávamos com os outros e íamos ficando por ali. Toda a gente colaborou para a construção do parque infantil, disponibilizando tempo de fim de semana; o sapateiro deu da sua loja, a electricidade para os trabalhos, os moradores, a mão de obra, o empresário de construção civil o seu saber - fazer especializado e materiais e certamente muitos outros contribuíram mas não me apercebi na altura… Alguns equipamentos lúdicos foram improvisados com materiais de construção, reutilizaram-se as pedras dos bancos que já lá estavam e dispostos em novos lugares e para novos usos, plantaram-se novas arvores. Isto em consonância com a Câmara Municipal já que o novo parque seria vigiado por funcionárias municipais assim como ficaria encarregue da manutenção dos espaços verdes. A nós, adolescentes, caberia a animação desportiva e cultural do parque e foi organizado um calendário de actividades, com horários estipulados, para todas as crianças que aparecessem e delas quisessem usufruir; cada um dos adolescentes monitorizava a actividade da sua preferência, treinos de voleibol, de futebol, corridas de atletismo ( Carlos Lopes era já popular e orgulho de todos nós só batido pelo Lasso Viren em Montreal) , actividades de leitura e alfabetização ( tínhamos um bairro da lata ao lado)… E lá estivemos orgulhosos, nas nossas animações, quando se realizou, a um domingo, uma jornada de trabalho nacional!

Dedico este texto a todos os moradores do Largo Conde de Bonfim

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

“ Vá de embute e marque um dos golos da sua vida!”


sexta-feira, 20 de Agosto de 2010

Era Agosto e eu tinha um bilhete de comboio da C.P., em 2ª classe, só de ida, para Mafra, via Oeste, levantado gratuitamente na bilheteira da estação de Cruz da Pedra depois de mostrar o guia m/9 que deveria apresentar na Escola Prática de Infantaria de Mafra para a minha incorporação. Eu não queria ir para a tropa.
Anos antes, numa barbearia de Campo d`Ourique, onde moravam os meus avós, enquanto esperava cortar o cabelo, ouvi falar em tom grave de uns caixões com soldados que chegavam em barcos a Alcântara. Nessa altura eu queria muito ser jogador de futebol e do Benfica, estava convencido que sim, o meu avô tinha-o sido, e também vim a saber mais tarde que os jogadores do clube ficavam livres da tropa, de ir para a guerra em África.
Findo o sonho de ser jogador de futebol, e depois de ter frequentado um curso de educação pela arte, no conservatório nacional, começava a vislumbrar ter um rumo, uma ocupação para o futuro. Para mim era tão desagradável a perspectiva de cumprir serviço militar, que andara a negar a realidade que ele existia para jovens mancebos como eu e de distracção em distracção "esquecera-me" de pedir adiamento de incorporação.
Estava agora no cais do apeadeiro da Cruz da Pedra, acabado de chegar de Marrocos de férias à espera do comboio para Mafra; dentro de um saco castanho duas camisas lavadas e uma folha enrolada de papel selado, a minha declaração de objecção de consciência em que dois amigos testemunhavam que por motivos religiosos, filosóficos e morais me opunha à prática de actividades de índole militar. Um amigo de infância que estava a acabar o curso de medicina falara-me do estatuto, vi uma luz ao fundo do túnel, era uma decisão " pessoal e intransmissível " à família, não disse nada.
Estava na iminência de tomar a decisão entre declarar o estatuto ou ser incorporado, pensava que na primeira hipótese o que me podia acontecer mais chato era ficar a limpar as latrinas da caserna e ficar privado da companhia dos outros.
Parei no Cacém para apanhar outro comboio para me levar a Mafra, teria que aguardar algum tempo, era já perto da hora de almoço, deu para entrar numa livraria e comprar "A República " do Platão e a "Poesia Militante, 1º Volume " de José Gomes Ferreira , queria ir munido de algum "alimento espiritual " para o que desse e viesse. Depois entrei num café para comer alguma coisa. À minha frente na parede do café um cartaz do Totobola de início de época futebolística. Dizia MARQUE O GOLO DA SUA VIDA! E eu pensei cá para os meus botões que se conseguisse ver-me livre da tropa seria um grande golo na minha vida. Entregaria o estatuto.
Apanhei o comboio para Mafra, nele vinha um jovem como eu, peça fora daquele puzzle da incorporação, da tropa, da instrução militar…. A estação ou apeadeiro ferroviário que servia Mafra ficava a alguns quilómetros que tinham que ser transpostos numa camioneta de carreira, composta nesta altura por vários jovens prontos a serem incorporados. O pica-bilhetes enquanto percorria o corredor da camioneta entre solavancos perguntava o destino aos passageiros e sorria sarcástico" Ah ! Este também vai para a "Calhau! " sugerindo tratar-se de um sítio de vida dura. Para o "Calhau"? Que se referia ao Convento de Mafra, cuja forma arquitectónica imponente se assemelha a uma enorme pedra. Perto da vila comento com o meu companheiro ocasional de viagem que vou pedir o estatuto de objector, ele já tinha ouvido falado nisso mas não tratara…
"Já à porta da guerra", como diria Raul Solnado, entre jovens das várias incorporações para esse dia, vejo um pequeno grupo e acerco-me por me parecer ter ouvido falar de objecção de consciência e percebo que um deles diz que pedira o estatuto, que iriam analisar o pedido e que entretanto podia ir embora. Quero confirmar e pergunto-lhe.
Corredor de acesso à Escola Prática de Infantaria, aguardamos em fila, ladeados por peças de artilharia de museu. Avanço com a folha de papel selado azul 35 linhas vejo um militar mais experiente que procedia à recepção do novos incorporados e entrego-a. Aguardo uns momentos e depois pergunto-lhe "Quando é que confirmam?", "VÁ DE EMBUTE!" retorquiu-me.
Percorri o corredor em sentido inverso, muito rápido, com o meu saco castanho, com duas camisas e dois livros, saí e dirigi-me à frente do Convento a uma paragem de camionetas onde estava uma que dizia LISBOA e mal me sento ela arranca. A paisagem que vou vendo da janela no decorrer do percurso da camioneta, parece-me uma cortina a ser puxada sobre Mafra.

domingo, 5 de setembro de 2010

Porque é que nós contamos as histórias das nossas vidas?


"A quem as contar? Que objectivo perseguimos ao fazê-lo ? "(...) " Mas nada parece poder nos desencorajar. Nós vamos antes de mais construindo-nos através da narrativa. Porque nos é tão essencial? Porque temos tanta necessidade em nos definirmos?" (...)

" Eu coloco a hipótese que é graças à narrativa ( autobiográfica ) que criamos e recriamos a nossa personalidade, e que o Eu é o resultado das nossas narrativas e não uma espécie de essência que nós devíamos descobrir explorando as profundezas da subjectividade." (...)

Logo que temos esta capacidade ( de recontar )"(...) então nós podemos construir uma personalidade que nos religa aos outros, que nos permite retornar de maneira selectiva ao nosso passado, preparando-nos para enfrentar um futuro que imaginamos. É na nossa cultura que possuímos as narrativas que permitem contarmo-nos a nós próprios, que tecem e voltam a tecer sem cessar o nosso Eu. Nós estamos certamente dependentes de um cérebro que deve estar pronto e em condições para que construamos a nossa personalidade. Mas por mais forte que seja esta dependência nós somos virtualmente desde o nascimento, expressões da cultura que nos alimenta. Entretanto a cultura é ela própria uma dialéctica onde abundam narrativas de todos os géneros que nos dizem o que é ou o que deveria ser o Eu. E as histórias que inventamos para construir a nossa personalidade contem a marca desta dialéctica."

traduzido do françês
Jerome Bruner Pourquoi nous racontons-nous des histoires? éditions RETZ

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

"Volta a Portugal" ... em caricas (II)


Nas férias de Verão da minha infância lisboeta, a malta do Largo, à estrada de Benfica, , organizava uma brincadeira, quando se aproximava a Volta em Portugal em bicicleta. A base era, diremos nós agora, material de reutilização, as caricas. Cada um de nós tinha seis ou sete caricas, chegávamos a ser oito ou nove putos, e tínhamos que as manter, a cada piparote que lhes dávamos com os dedos, à superfície de um banco de pedra com cerca de um metro de altura e 12 m de perímetro, forma irregular fechada, mais ou menos quadrangular, que circundava um canteiro com uma arvore de médio porte no interior. A coisa era organizada, havia várias etapas, umas mais longas outras mais curtas ( quer dizer, menos ou mais voltas ao banco quadrangular), com calendário, às vezes uma etapa de manhã outra à tarde, com prémio da montanha , prémio Laranjina C e Metas Volantes, nas quatro curvas do perímetro do circuito. Imaginemos 60 caricas em competição... A primeira a cair, não voltava à pista e era classificada na etapa com 60, a outra a seguir com 59, a primeira a cortar a meta com 1. Registava-se tudo etapa a etapa, faziam -se os somatórios. Entretínhamo-nos. Com competição à mistura. Quando um de nós, dos mais habilidosos dava uma boa caricada e punha a sua à frente, ui !!! os outros não resistiam a comentários de atribuição causal do tipo " Tu tens é uma "g`anda latosa" ...!" ( referente a vaca leiteira; no "zodíaco" daqueles anos 60, era prognóstico de tipo claramente bafejado pela sorte ). As crianças são cruéis, lembro-me bem por isso que esse sortudo, que era o mais corpulento de nós e por isso justamente alcunhada por "Bomba" mais ternamente por "Bombita"numa caricada mais arriscada, desequilibrou-se para trás de mal sentado e só o vimos a fazer o pino que quase se matava. Enfim não foi nada de grave. Eu não tinha muito jeito, normalmente cabia-me a equipa do Tavira ou do Sangalhos, do meio da tabela. Mas estas "Voltas a Portugal" eram memoráveis.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

" Volta a Portugal em caricas" (I)


Nas férias de Verão da minha infância lisboeta, a malta do Largo, à estrada de Benfica, , organizava uma brincadeira que conhecia a adesão de muitos de nós, quando se aproximava a Volta em Portugal em bicicleta. Contávamos com um material que era um verdadeiro manancial diremos nós agora de reutilização : as caricas. Podiam ser da "Laranjina C", do "Vitasumo", da gasosa "Areeiro" , do "Sumol" , da "Sagres", da cerveja "Cuca", da "Canada Dry", da água de Carvalhelhos…. Fáceis de arranjar , no chão da esplanada da leitaria do srº Manel, ou noutro local qualquer. Procuravam-se as menos amolgadas pelo abre latas, para poderem deslizar melhor quando impelidas pelo piparote que lhes eram dadas pelos nossos dedos.
Escolhíamos seis ou sete caricas que se iriam juntar a mais 60, para deslizarem e tentarem manter-se a cada caricada, em cima de um banco de pedra com cerca de um metro de altura e 12 m de perímetro, forma irregular mas mais ou menos quadrangular, que circundava um canteiro com uma arvore de médio porte no interior.
Para poderem cumprir a sua função na brincadeira, as caricas precisavam de ganhar peso e estabilidade e de serem identificadas, era o que fazíamos na fase de preparação .
Cortávamos no topo as tampas de plástico que vedavam as garrafas de vinho de mesa, que pareciam pequenos chapéus e que tinham várias cores. Em seguida, aplicava-se a referida tampa de plástico por cima da carica, encaixava na perfeição e vedava. Depois, aplicava-se plasticina no espaço entre a borda da carica e a tampa .
Para identificar todas as caricas, recortávamos de um cromo ( haviam colecções de cromos de ciclistas), a cabeça do corredor pretendido em redondo e aplicávamo-lo por dentro da carica (visível devido ao corte no topo da tampa), completando a identificação com o nome individual e o da equipa recortado de um jornal e colado com fita cola à tampa de plástico ou incrustada na plasticina. "Francisco Valada", "Peixoto Alves", "Joaquim Agostinho", "Fernando Mendes "," João Roque", "Leonel Miranda", "Américo Alves", "António Acúrsio", compunham o pelotão para esta Volta a Portugal sui - generis….

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Equipa do Sport, Lisboa e Benfica que conquistou a I Liga em 1935/36

Antes de conhecer o meu avô pessoalmente, conheci-o através desta fotografia. No primeiro dia que fui a casa dos meus avós, em Campo D`Ourique e lá fiquei sem os meus pais. Não sei quantos anos tinha mas era muito pequeno. Estava só com a minha avó e estava a familiarizar-me com ela. A minha avó disse-me que o meu avô não tardava. "Outro estranho? Como será este?" Não sei se tranpareceu, alguma inquietação da minha parte, a minha avó apontou-me esta fotografia emoldurada na parede e disse-me," é aquele o avô,foi jogador de futebol do Benfica", percebi que era algo com valor. Ela saíu da sala atarefada com o almoço e eu permaneci a olhar o quadro na parede e a ver a fotografia com atenção, a tentar descodificar tudo aquilo. Passado alguns momentos, tocam à porta, ele tocava sempre duas vezes, era o sinal para a minha avó saber que era ele, vim a saber depois. E ai fiquei na expectativa, enquanto ele subia o quarto andar... Será que iria gostar dele? Fiquei logo a gostar dele(s), eram os afectos, começei a saber desde esse dia. De pé, da esquerda para a direita: Tavares, Rogério de Sousa, Gustavo Teixeira, Gatinho, Gaspar Pinto e Albino; Em primeiro plano: Domingos Lopes, Luíz Xavier, Vítor Silva, Torres e Valadas.

domingo, 20 de junho de 2010

Futebol no largo


Já adolescentes comentávamos entre a malta, quando recordávamos no banco do jardim, a rir a bandeiras despregadas, as histórias das nossas vivências e brincadeiras de infância lisboeta, e das pessoas que conhecíamos, que alguém as devia escrever.
Encontrei recentemente necessidade de o fazer. O mais curioso é que depois disso encontrei numa pasta antiga um escrito que fiz com cerca de 18 anos sobre o mesmo tema, percebo-lhe a "ganga" ideológica com que o "vesti", mas oiço a minha voz...

Dedicado à malta

"futebol no largo"

Com efeito estávamos em plena dita, sem que nos apercebêssemos que o fim não tardaria muito.
E têm muita piada, que os miúdos do largo, eram à sua maneira, muito particular é certo, combatentes da repressão e mais do que isso, apercebiam-se nitidamente que algo ia mal.
Vejamos.
Estava-se em pleno êxtase futebolístico, com os miúdos a disputar uma renhida partida. Tudo se conjugava para que a partida continuasse competitiva, pois estava uma bela fim de tarde, as duas equipas estavam muito equilibradas e era a estreia oficial de uma bola que tinha sido adquirida através de uma colecta entre os miúdos.
Era a bola da malta. Muito cheia, de material plástico, saltava demasiado no empedrado do jardim, o que originou o desagravo quase total da miudagem.
------- Que grande barrete ! Essa bola não vale nada, salta muito --- disseram os mais tecnicistas, cuja particularidade da bola saltar em demasia não favorecia a sua habilidade.
-------Vamos é furar isso ! --- resolveram de imediato esses miúdos.
E assim se fez; um pequeno furo no pipo e aí está ela a desencher e a tornar-se numa bola "pau para toda a obra" que é o mesmo que dizer, que estava pronta para se adaptar às características do campo que tinha pequenas dimensões e chão empedrado.
Reunidas excelentes condições para o desafio estar a cumprir o esperado. Equilibradíssimo: 5 a 4, 7 a 6, 9 a 7, 10 a 9 … A cada golo, a correspondente euforia do marcador e seus comparsas .
As balizas eram sui-generis, pois uma era limitada pelo chafariz e por uma árvore, a outra ainda mais inédita era um banco de pedra a todo o comprimento e com meio metro de altura. Escusado será dizer, posto isto, que não havia dia em que se não discutisse se o remate "x" era golo ou não, se o remate "y" tinha batido no poste ou não, etc.
O público à força, não gozava com o desafio, pois estava habilitado a participar no jogo, mesmo sem querer; é que a rapaziada não se fazia rogada no capítulo do remate, os chutos eram fortes e das duas, uma, ou iam parar debaixo do eléctrico, camião ou outra viatura ou então paravam quando encontravam umas pernas ou umas caras pela frente … Quando isso sucedia, a rapaziada muito "bem comportada”, pedia desculpa, e recomeçava imediatamente.
Nesse dia, não se tinha acertado ainda em ninguém, ainda só eram 6 da tarde, mas o jogo que estava empatado teve o seu final mais cedo, forçadamente…
Dois agentes da autoridade, fazendo valer a sua capacidade repressiva, acercaram-se do jardim, fazendo cerco ao terreno de jogo. Embrenhadíssimos na partida, com as faces coradas do esforço, os olhos fixos nos caprichos da bola da malta, ninguém se apercebeu da presença indesejada dos "chapas".
E assim foi fácil, intercederem e cortarem o fio do jogo. Agarraram na bola e acto contínuo, os miúdos especaram, ainda não se apercebendo bem do que acontecera para logo de seguida se precipitarem em fuga, rapidíssima, automatizada, “enquanto o diabo esfrega um olho”, esgueirando-se para a "quinta", ou seja, o bairro da lata onde eles sabiam que a polícia não ia… Os polícias entretanto com a bola na mão atónitos assistiam impotentes ao desenrolar da fuga. Nada podiam fazer senão ameaçar:
---Isto só a tiro ! ---- disse um ligeiramente perturbado com uma taça de tinto que tinha bebido na tasca mais próxima.
----- Cambada de canalhas…se eu pego em algum … --- bradou o outro.
Nos bancos do jardim, as mamãs, as "vóvós", as "criaditas", podiam largar os seus rebentos pelo campo de futebol abandonado,
Já não havia perigo. O terror personificado nos "miúdos" dos 8 aos 18 anos tinha sido banido e reprimido pela autoridade.

" Todavia para lá das vozes cada vez mais confusas e indistintas cria-se um nível a partir do qual, essa absurda traição do tempo deixa pura e simplesmente de existir, para tudo não ser mais do que memória, sem princípio nem fim, que nos faz andar desde sempre à procura de qualquer coisa de raro e indefinido "
íntima fracção , suspenso de um sonho, Maio 2010

domingo, 13 de junho de 2010

Sport, Lisboa e Infância

Lugares de jogo da minha infância lisboeta, numa praceta , nos finais dos anos 60 e princípio dos 70, século XX." Vou para o jardim Mãe … " descia em saltos de sete degraus os lances de escada do 3º andar até ao rés-do-chão. Era o tempo em que o Verão tinha três meses, nas tardes de canícula, a partir das 4 e meia começava o futebol… Circundado por prédios de três andares, o jardim era o espaço mais amplo e apetecível para o futebol da malta, de solo empedrado ligeiramente inclinado mas macio, preferível ao alcatrão da estrada que circundava o jardim e que terminados os prédios confinavam com uma "quinta", lugar de duvidosa garagem, térreas barracas onde viviam pessoas, cresciam ervas por todo o lado, cascalho, cães e carreiros por onde se chegava às azinhagas .
A baliza sul era entre a pedra da bica, e a esquina do ressalto calcário que delineava o caminho de entrada e saída do jardim. Atrás, a Estrada de Benfica dos eléctricos e dos autocarros de dois andares da Carris. A baliza norte era delimitada por um dos lados de um banco quadrangular de pedra calcária, 3x3m, que circundava um canteiro com uma arvore de médio porte no interior. A criançada gostava de subir aquela árvore e lá ficar empoleirada, a salvo, provavelmente do mundo dos adultos, sítio para pensar ou apenas estar…
Nessas tardes intermináveis, os desafios, muda aos cinco acaba aos dez em regime de sessões contínuas, eram jogados por todos com entrega total, uns mais novos, outros mais velhos, e por vezes, juntava-se a nós um ou outro adulto, abrindo um parêntesis nessa sua condição. As contribuições dos crescidos que não resistiam a entrar em partidas tão renhidas eram por vezes assaz cómicas, como por exemplo o livre marcado "à Eusébio ", cheio de balanço, por um dos mais velhos que já tinha ido "às sortes" ; perante barreira assustada o remate acabava por parir um rato pois a bola voava por cima da arvore indo parar à loja do sapateiro no topo da praceta enquanto era o próprio sapato do marcador de livres a entrar na baliza improvisada. E era tudo a rir...Ou então o adulto obeso, de fato, resolve entrar na jogatana da malta, pleno de entrega, e desfaz-se em suor o que leva algum tempo para se dessedentar e recompor da camisa alagada e do pó nas calças.
O jardim era nestas tardes verdadeiramente multi-usos pois enquanto a miudagem jogava à bola, nos bancos dos jardins, linhas limite de um lado e de outro do campo de jogo, avós sentavam-se com os seus netos normalmente crianças pequenas, criadas namoravam com magalas, … Por vezes a bola ressaltava na cabeça da" netinha ", iniciando o choro compulsivo da criança, a indignação da avó e as desculpas do "infractor" apressadas pela febre da refrega futebolística que urgia.
Esta actividade futebolística no jardim era pois actividade proibida. Os jogos desenrolavam-se na incerteza do aparecimento sub-reptício do encarregado da jardinagem, alcunhado como "o mau", capaz de nos subtrair a bola, de a retalhar com um canivete, aí tudo parava, escondia-se a bola "assobiava-se para o ar". Mas a cegada maior era quando aparecia a polícia, "a bófia", "os chuis", havia a possibilidade difusa de ir parar à esquadra, e aí é que era debandada da malta, em corrida desenfreada em direcção à quinta, por onde nos embrenhávamos em dias de maior aflição, ou escondendo-nos nas escadas dos prédios com portas ocasionalmente abertas.




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sábado, 12 de junho de 2010

memória


" Todavia para lá das vozes cada vez mais confusas e indistintas cria-se um nível a partir do qual, essa absurda traição do tempo deixa pura e simplesmente de existir, para tudo não ser mais do que memória, sem princípio nem fim, que nos faz andar desde sempre à procura de qualquer coisa de raro e indefinido "
íntima fracção , suspenso de um sonho, Maio 2010

sexta-feira, 4 de junho de 2010